Sempre que atendo um paciente com obesidade infantil eu noto medo, culpa, vergonha, sensação de impotência… E às vezes eu também percebo uma grande resistência em procurar ajuda, muitas vezes essa resistência está associada ao medo do julgamento pelo profissional de saúde.
E pra mim, tudo isso está associado a uma velha visão de obesidade (de adultos e crianças) que é a visão de que a culpa da obesidade é do obeso. No caso da obesidade infantil, dos pais do obeso.
Bom, se a obesidade é uma somatória de falta de atividade física e alimentação inadequada então a culpa é do paciente que não quer ter bons hábitos, certo?. O objetivo deste texto é apagar essa visão antiga da sua cabeça e te ajudar a pensar na obesidade como uma condição de causa multifatorial onde a culpa atrapalha muito mais do que ajuda…
Sabemos que 33.5% das crianças brasileiras entre 5-9 anos de idade estão com sobrepeso e 14,3% com obesidade. Já entre os adolescentes até 40% está acima do peso. É muita gente e eu não posso acreditar que tudo isso aconteça só porque essas pessoas “comem muito e se exercitam pouco”.
Então vamos pensar um pouco nas causas não óbvias?
Genética: Sim, a genética tem um papel nisso. Isso quer dizer que todos os pais com obesidade terão filhos obesos? Não. Quer dizer que todos os obesos carregam genes que o ligam a maior chance de obesidade? Não também. Mas quer dizer que sim, há predisposição genética para a obesidade e que esse fator pode e deve ser levado em conta em alguns casos específicos. Crianças que praticam a mesma atividade física e comem exatamente a mesma comida podem ter resultados diferentes, uma sendo obesa e a outra não!
Em termos gerais as pessoas apresentam diversos mecanismos de fome e saciedade, além de controle do peso corporal e nós não temos todos esses níveis iguais em todas as pessoas.
Além disso, naturalmente o corpo de pessoas que já foram obesas por algum período buscam voltar pro estado anterior e é por isso que para muitos é tão difícil manter o peso perdido.
E é claro que todos esses fatores que eu falei são importantes, mas há muitos outros fatores envolvidos.
Sedentarismo
Aqui eu nem quero falar sobre o quanto de atividade física programada seu filho faz por dia como aulas de educação física ou qualquer esporte… Falo sobre o nosso sedentarismo enquanto sociedade, sobre o uso prolongado de telas no período que antigamente as crianças brincavam na rua.
Sobre ir no mercado ou na escola de carro ou de ônibus e cada vez menos a pé… Enfim ,sobre como nossa sociedade foi “facilitando” nossas vidas e diminuindo nossa necessidade de fazer atividade física.
Alimentação
Aqui não podemos deixar de falar sobre o uso de telas durante a refeição que prejudica nossa sensação de saciedade, sobre o consumo de ultraprocessados que são hiper palatáveis e nos distanciam da comida “comum” com mais qualidade nutricional e menos calorias…
Também há uma menor atenção ao nosso corpo e aos nossos sinais de fome e saciedade já que estamos sempre todos muito ocupados com outras coisas.
Há também, o número cada vez menor de famílias que se alimentam juntos na mesa e por tempo adequado.
Sem esquecer a falta de incentivo ao aleitamento materno e o uso inadvertido de fórmula infantil, mesmo com diversos estudos indicando a superioridade do leite materno e seu fator protetor para o desenvolvimento da obesidade infantil.
E por último, a publicidade que martela na cabeça das mães a necessidade de suplementos e que associa personagens infantis a alimentos ultraprocessados…
Já te parece que não é tudo culpa sua?
Bom, mas claro que eu não quero dizer que é tudo culpa da sociedade em que vivemos e que então não há o que fazer.
Cada família deve procurar formar bons hábitos nos filhos e mantê-los… As crianças devem ser encorajadas a levarem uma vida saudável e para que isso ocorra os pais devem praticar esses hábitos. As crianças aprendem muito mais por observação do que por orientação.
Mas agora chega de explicações dos motivos e vamos pensar no que fazer se seu filho está obeso:
- Primeiro procure um médico que você confie para caminhar ao seu lado durante todo o período de tratamento. Eu diria que você vai quase se casar com esse médico, então é importante que você se sinta à vontade com ele, sem julgamentos.
- A primeira parte consiste em uma consulta para que seja feito o diagnóstico e traçado um plano de ação. Nessa consulta o médico pode conversar com você sobre a necessidade de outros profissionais, no caso como nutricionistas e psicólogos.
- Provavelmente será necessária a coleta de exames para procurar as doenças que podem ser relacionadas a obesidade
- A partir daí cada tratamento é único e não tem receita de bolo, juntos sua família e os profissionais escolhidos vão aos poucos vendo quais atitudes trazem mais resultados
Alguns pontos importantes da obesidade infantil:
A criança deve ser envolvida no tratamento mas ela não deve ser a responsável pelas escolhas. Os adultos são os responsáveis pela criança. Se seu filho tem pneumonia você entrega o antibiótico na mão dele e espera que ele tome por 7 dias de 8;8 horas ou você acompanha o tratamento?
Não há mudança de hábito da criança sem mudança na família. Todos que cuidam da criança devem ser envolvidos.
O objetivo do tratamento na maioria das vezes não é a perda de peso (salvo em algumas comorbidades associadas) e sim na melhora da relação com a comida e melhora dos hábitos, a diminuição da relação peso e estatura virá naturalmente. Lembre que seu filho está em crescimento.
Em alguns casos pode ser necessário o uso de medicamentos. Tenha medo da obesidade e não dos medicamentos.